26.12.09



Faltou a palavra reveladora
Faltou atravessar os ultimos milímetros da navalha
Faltou o último capítulo do livro
Faltou a tacada estratégica
Faltou dizer que entendi ...
Quando faltaram sínteses obscuras
Quando faltaram os recuos preventivos
Quando faltou vontade de aprender
Quando faltou medo de errar
Quando faltou o ponto final

Sobrou o infinito

# 04 - Obituário

“Empresária do ramo de produtos higiênicos, Margot Dubois morreu no dia 5 de Janeiro, aos 38 anos, no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, vítima de intoxicação.

Nascida em Uruguaiana, mudou-se ainda criança para Porto Alegre, onde seu pai estabeleceu a Fábrica de Sabões Dubois. Após a perda do pai, conduziu os negócios brilhantemente até falecer.

Foi casada por mais de 15 anos com Sinval Ibanez, com quem teve dois filhos. Gostava de ler, dançar e jogar cartas.”

Era isso o que dizia a página de obituários, que estava com a face virada para cima sobre a mesa de Rodney Smith. “Maldição”, pensou Smith. Agora não seria reembolsado dos gastos do caso do cachorro perdido. Aliás, ainda teria um gasto maior, ponderou ao ver o poodle em sua sala, tomando leite em um cinzeiro fazendo as vezes de uma tigela. E ele não tinha joia nenhuma pendurada em seu pescoço.

Dolores não chegara esta tarde, e o Sol já deitava-se atrás dos outdoors e edifícios. Leu e releu o obituário. Não sabia que a sua cliente era casada... na realidade, divorciada, como descobriu após uma breve pesquisa e alguns telefonemas. Não parecia um assassinato, pelo menos.

O telefone da recepção tocou. Tocou, tocou e tocou. Ney não queria atender mas, talvez fosse Dolores, ele estava preocupado, pois ela sempre fora pontual. Partiu em direção ao telefone, mas ao chegar à porta, ele parou de tocar. Após alguns segundos, voltou a tocar novamente e permitiu que Smith o atendesse.

“Smith... é o Branco... Ficou sabendo da Margot?”

“Olá Branco... sim, fiquei sabendo. Intoxicada, não?”

“Sim, mas você soube da marca?”

“Marca? Não vá me dizer...”

“Sim, Smith... ela tem a mesma marca.”

“Droga...obrigado, Branco. Mais algum detalhe...”

“Não... era isso... qualquer coisa eu te informo.”

“Obrigado... agora eu preciso pensar. Até mais.”

“Até.”

Smith sentia que não podia seguir ignorando estes crimes, sentia um senso de dever que despertava memórias dolorosas em sua mente. Os velhos tempos do então Inspetor Smith. Deveria ligar para alguém, devia haver alguém na corporação que não virara as costas para ele assim como estão virando as costas para estes assassinatos com este estranho traço em comum. Nada foi divulgado na mídia...

Nada divulgado na mídia, nem mesmo no caso de Margot, que poderia ter um pouco mais de visibilidade. Nenhuma menção às marcas...

O raciocínio de Smith foi interrompido por um barulho na porta, um tilintar de chaves que teimavam em não entrar na fechadura. Dolores?

Ney levantou-se de pronto e foi para a recepção, ver se realmente era a sua recepcionista que chegava. Era ela, embora seu sorriso não a acompanhasse. Seus olhos pareciam ter chorado muito, talvez durante o Domingo e esta Segunda inteira, até poucos minutos atrás. Trazia em sua mão um envelope, um tanto amassado. Olhava para baixo, e ensaiou um pedido de desculpas. Smith aproximou-se da menina, que estava prestes a desabar novamente no choro e a abraçou. Não sabia o porquê do gesto que fazia, mas a abraçou. Ela chorou por alguns minutos, em silêncio, enquanto ele a consolava, silenciosamente, apesar de não saber qual era o motivo das lágrimas. Assim que ela se acalmou, Smith a deixou sentada no sofá, e foi preparar um chá para a menina.

Após alguns minutos ela já estava mais calma. Triste, é verdade, mas calma. Eles não trocaram sequer uma palavra, mas não parecia preciso. Os dois estavam imersos em seus mundos particulares. Um latido os acordou da catatonia. Era o cachorro da falecida Margot.

“O senhor... encontrou o cachorro?”, disse Dolores em uma voz dolorida, devido às marcas que o choro deixa na garganta.

“Sim... terei de entregá-lo para o ex-marido dela, um tal de... Sinval Ibanez...”

Congelou.

Sinval Ibanez... S. I.?

15.12.09

Lima Rima

Por seis minutos
Meros minutos
Queremos,
Clamamos
Por vultos
Adultos.
Berramos
Todos juntos.

E o
Amarelo,
Sem creme.
O modelo
Treme
Por creme
E berra
Na serra.

Vou correndo
No gerúndio
E atravessando
Latifúndios
E então
Fico rimando
E tocando
Violão.

Aquilo

Naquele jogo,
Aquilo estava.
Suas cores
Tão frias...
Dissimulavam
A Realidade.
E eu sei bem
Que Ela,
Ela, Ele
Ou Eles
Pertencem a mim.
Masoquismo.
Oh, Masoquismo.
A Realidade não é,
Não é mesmo cruel?

O geóide azul é observado...
Por lindos,
Mas por óculos azuis muito lindos.
Ou quem conta um conto
Manipulou os cobiçados óculos?
A terra é quadrada!
E ela também é laranja!
Vociferou um homem meio magrelo.

No jogo promíscuo,
Aquilo que idolatro está.
Imagens frias,
Deveras frias
Aparecem na frente da tela.
Aparecem na frente dos meus olhos.

zero zero Cinco Penas

Os números são,
Mais tão,
Ferozes e ferozes
Que
Nem as galinhas
Merecem aprender matemática.
Elas pintavam,
Com penas quadriculadas,
Cinco penas
E cinco lástimas.
Galinhas não voavam
E assim vai uma lista...
005 no total,
Faltavam-lhe cinco...
Ou será que
O céu é um caminho limpo
De obstáculos
Feito para voar ao desencontro do destino?
E se elas voassem,
Quem poderia dizer,
Realmente,
Que estavam sorrindo?
Afinal, são galinhas.
Cegas no escuro do tempo.
E no final, cinco galinhas indolentes
Só conseguem pintar um Zero.

8.12.09

# 03 - Vermelho Ibérico!

Obs.: Ahn... bem, isso está começando a ficar problemático. E a minha capacidade de síntese parece ter piorado mais ainda.

***


“Sim, eu comprei a faca... É linda, sim, chegou hoje. Mal posso ver a hora de usá-la... Ah, sim, aproveitei e comprei as luvas pra ti. Um momento... Tenho que desligar, ele está chegando!”

“Quem era, Dolores?”, perguntou Smith ao entrar no escritório e ver ela colocar o telefone no gancho de forma brusca. Ele acabara de voltar de uma busca por um poodle.

“Não... era o senhor da... da tv a cabo... isso.”, disse a garota-esquilo após um breve instante de pasmice emoldurado por um sorriso bobo e brilhante.

“Pensei que tínhamos cancelado a tv a cabo.”

“Sim, foi um engano”, disse rapidamente.

“Ah, bom. Certo, eu preciso de um táxi, pode chamar para mim, por favor?”

“Sim, Seu Ney”

Em sua sala, Smith continuou imerso na dúvida que estava corroendo sua alma cansada. O motivo, era simples: ao chegar em sua casa, após saber da história do possível futuro assassino em série, fez várias coisas. Uma destas coisas foi guardar a sua gravata. A surpresa dele foi constatar que todas as suas gravatas presentes na gaveta eram verde-musgo, em tons e padrões levemente diferentes. Será que o seu próprio informante estava sabotando as suas gravatas? Ou será que todas elas sempre foram verde musgo? Perguntar para Dolores, sim. Dolores deve saber qual a cor certa das gravatas...

No exato instante das reticências, o telefone tocou estridentemente na mesa de Smith, que respondeu com um salto e uma interjeição mal-educada qualquer.

“Seu Ney, o táxi já está esperando pelo senhor” - Smith respondeu um “ok” para a garota-esquilo.

Saindo de sua sala, o detetive parou em frente à mesa de Dolores, e perguntou-lhe, com certa dificuldade:

“Dolores... eu, eu gostaria de saber... - ela estava piscando os olhos freneticamente – eu gostaria de saber... - ela continuava a piscar os olhos freneticamente – eu... por deus, o que que tem nos teus olhos?”

“Poeira, eu acho. Era isso que o senhor queria saber?”

“Não. Qual a cor das minhas gravatas?”

“A que o senhor está usando agora é vermelha, acho que vermelho ibérico! As outras eu não consigo me lembrar, eu não tenho uma boa memória visual, me desculpe, eu queria lembrar mas eu não consigo...”

“Tudo bem...”

O cérebro de Ney processou a seguinte informação:

Verde musgo:



Vermelho ibérico:



“Ahn... mas qual é a cor do esmalte que tu estás usando?”

“Vermelho também”

O esmalte dela era verde escuro. A garota-esquilo é daltônica. Ou lhe ensinaram as cores com nomes trocados na sua infância (chamando “verde” por “vermelho”, talvez “azul” por “amarelo”, etc.). Ou talvez ela tenha um distúrbio psiquiátrico pluricromático.

“Ok, vou descer... o táxi está esperando. Pode fechar o escritório, já está tarde, tarde demais. As ruas podem não ser mais tão seguras como eram antes.”

“Não se preocupe, Seu Ney. Eu pratico krav maga.”

“Oh.. bem... mas mesmo assim, tome cuidado. Até amanhã”

“Até amanhã.”

Quando Rodney Smith, o detetive particular com o nome mais anglófono de Porto Alegre, entrou no táxi, estava um tanto perturbado. Gravatas, krav maga, vermelho-ibérico. Será que não era ele o daltônico? O taxista olhou para ele e perguntou o endereço do destino. Ney respondeu com outra pergunta:

“A cor da minha gravata é vermelho-ibérico?”

“Ok, entendi”, disse o taxista com um um sorriso sinistro despontando em sua boca. “O senhor quer algo especial, não é? - continuou, enquanto dava partida no carro e começava a corrida.

“Na realidade, eu gostaria de saber a cor da minha gravata, mas por que você já está rodando? Eu não lhe disse o destino...”

“Só espero que o destino esteja ao nosso favor.”

O taxista parou em um sinal vermelho e, ao seu lado, parou outro táxi, com algum passageiro. Ambos buzinaram duas vezes. O semáforo de pedestres piscava uma mão vermelha. A mão vermelha parou. Os dois carros saíram em disparada. A corrida começou.

Enquanto um racha ensandecido era disputado entre os dois táxis, um destes carregando o nosso protagonista, outras coisas aconteciam na cidade:

Um palhaço começou a fazer um striptease em frente à sua esposa. Na realidade entre a sua esposa e a televisão, onde passava um jogo de futebol (os de azul contra os de vermelho). Ela gritou furiosa e arremessou o controle remoto na cabeça dele, que caiu da cama e torceu o polegar direito.

No caminho de volta para casa, Dolores foi abordada por um homem alto usando um olho de vidro. Ele a chamou de “gatinha” e pediu os pertences dela. Ela pediu para que ele a deixasse em paz, com sua voz gaguejante de roedor de desenho animado. Ele disse que iria deixá-la em paz, algo como descansando em paz e a atacou com um canivete. Ela quebrou o pulso dele e, logo após, o úmero; isso fez o assaltante gritar como se fosse uma menininha.

Rodney Smith chegou ao necrotério, caminhando. O informante esperava por ele, ansioso, no saguão, e surpreendeu-se quando viu o rosto de Ney com um corte que parecia ter sangrado bastante, mas já estava estancado. O detetive mancava um pouco, também.

“Por mil demônios! O que aconteceu com o senhor, Sr. Ney?” - disse o informante, ainda usando um saco de papel por máscara-protetora-de-identidade-secreta.

“Uma corrida de táxi. Um maldito racha de táxi, onde eu consegui embarcar no táxi do pior motorista que já vi. Ele bateu em um ipê, e eu fui arremessado através do pára-brisas”.

“O senhor deveria usar o cinto de segurança! Provavelmente teria evitado esta travessia através do pára-brisas!”

“Não tinha cinto.”

“Então não deverias ter aceitado esse táxi...”

“Eu não tive tempo, eu só perguntei se a minha gravata era vermelho ibérico...”

O informante colocou a mão sobre a boca, que estava guarnecida através de sua máscara de papel.

“... e o maldito taxista já tinha dado a partida... o que foi, S. I. ? Parece espantado com algo...”

“Isso é um código secreto. Não se deve falar 'vermelho ibérico' dentro de um táxi. Caso estas palavras sejam ditas, o taxista é obrigado a iniciar uma corrida fatal com outro taxista. Geralmente apenas um dos taxistas sobrevive.”

“Ok, S. I. eu vim ver o corpo da primeira vítima. Deixemos as conspirações sobre taxistas e gravatas para outra hora.”

“Certo, Sr. Ney. Como eu previ, tivemos um segundo assassinato. Com a mesma marca. Venha por aqui, Branco está nos esperando com os dois corpos.”

Após uma breve caminhada, entraram na sala do armário de cadáveres. As vítimas estavam deitadas em macas metálicas, com os pés voltados para a porta; cada par destes adornado com uma etiqueta. Um de pés pequenos e delicados – aparentemente da primeira vítima, e um segundo par de pés maior. Na realidade bem maior do que a maioria dos pés que se vê por aí. Ao lado dos corpos, Branco esperava por eles.

Branco, poderia ser garoto propaganda de alvejantes. É muito provável que ele seja uma das pessoas mais despigmentadas do planeta, assim como o Casper, aquele que foi abandonado pela família, quando eles se mudaram para Phoenix. Na realidade, Branco também foi abandonado por sua família. Eles se mudaram para o Rio Grande do Norte, sem se importar com o fato do lugar não ter condições climáticas suportáveis para o filho albino preterido. Afinal, ele sempre foi a ovelha negra da família.

Branco olhou para Ney e abriu os braços:

“Há quanto tempo, Inspetor Smith!” Ao ver o ferimento no rosto de Ney, perguntou em sobressalto: “Mas que catástrofe aconteceu com você? Foi atropelado?”

“Branco, Branco... é Detetive Ney, agora”, disse , apertando a mão do técnico perito albino. “Não fui atropelado, não. Apenas fui arremessado através do pára-brisas. Taxistas doidos, essas coisas.”

“Essa cidade está meio psicótica mesmo...”, concordou Branco, apoiando as mãos na cintura. “Tem um cara no Centro que rega todos os dias um vaso de flor pequeno, cheio de terra e sem flor. Certo noite não resisti e perguntei a ele que flor iria nascer ali. Ele respondeu: vai nascer um coqueiro... mas... vamos ao que interessa, venha ver a menina, parece um anjo!”

Smith aproximou-se da maca com os pés pequenos, da mulher do Vale dos Sinos. Quando Branco levantou o “sudário” que cobria o corpo, o detetive teve uma das piores visões de sua vida. A moça realmente parecia um anjo. Um anjo que caíra de cara no chão e foi atropelado por um ônibus em seguida. Um ônibus bem cheio.

“Você acha que foi mesmo um livro que fez todo esse estrago, S. I. ?”, perguntou Smith.

“Tenho certeza, pode ver estas marcas retas que se estendem por toda a testa dela, logo em cima do 'v'? Devem ter sido feitas com a parte superior da capa dura.”

Branco acariciava a mão da menina, admirando sua palidez cadavérica. Os outros dois olharam para ele com um pouco de repulsa, mas o perito não pareceu se importar muito com isso e disse:

“Ok, deixemos meu anjinho e vamos ao doutor, o cadáver número dois”.

Eles tiraram a cobertura do outro corpo e viram um homem feio, com a mesma marca de “v” na testa. Suas feições pareciam ter sido esculpidas na pedra. As mãos dele poderiam estrangular o pobre Sr. S.I com tanta facilidade quanto as mãos de Sr. S. I. poderiam estrangular um canário.

“Doutor?”, perguntou Smith.

“Sim, um dos paramédicos que o recolheu era paciente dele.”, respondeu Branco, olhando para o morto com os olhos fixos.

“Qual era a especialidade dele?, perguntou S. I., com ares detetivescos.

“Urologista.”, respondeu Branco, com uma voz cavernosa.

Rodney Smith e o Sr. S. I. fizeram uma careta, olhando para as grandes mãos do cadáver. Após alguns instantes em silêncio, Smith perguntou:

“E como ele foi morto, Branco? Pela ausência de ferimentos....”

“Sim, Ney. Ele foi asfixiado. Asfixiado com um saco plástico, enquanto dormia no sofá em sua casa.”

“Interessante”, disse Smith. “Mas, vamos ao que interessa?”

“Como assim?”, perguntou o Sr. S. I..

“Vamos jogar cartas. A polícia que cuide disso, eu não irei me envolver.”, respondeu Smith.

"Você deve estar brincando comigo!", protestou S. I..

"Essa é a minha palavra final. Tenho os meus casos para cuidar."

“Ah... seu... mas... vá lamber sabão!”, exclamou enfurecido, o Sr. S. I., saindo do arquivo de cadáveres. “Tomara que a Margot seja a próxima!”

"Essa afirmação faz de você um suspeito, Sr. S. I.!", gritou Smith. O Sr. S. I. parou, virou levemente a cabeça e disse:

"Isso é irrelevante. Vocês nunca viram o meu rosto."

S.I. bateu a porta com força ao sair.

"Agora mais suspeito ainda."

4.12.09

Hoje

Hoje é o dia perfeito
Porque nele as coisas acontecem
Uma tarde chuvosa
Uma manhã clara
Não importa, é Hoje

Tanta coisa para ser feita
Talvez algo que nunca tenha-se feito
Mas hoje sim
Vou dizer olá, vou sorrir
E será perfeito

Não serão mudanças
Nem mesmo uma revolução
As pessoas continuarão quem são
Não é o fim do mundo
É o contrário, é o começo de tudo

E o começo de nada
Porque já começou
Sempre começa a cada manhã
E termina a cada noite
Como um ciclo, um ciclo perfeito

Estamos vivendo o maior presente
O Presente, e só nele se vive
Que começa e termina repetidamente
E nunca acaba
Porque o hoje simplesmente É.

2.12.09

Não pise

Olá.
Não pise na grama.
Não pise no verde.
Não pise aqui.
Voe.

Está bom.
Mas guarde segredo.
Promete?
Então você fica com a chave.

Olá.
Para onde tu queres ir?
Ainda andando?
Quer que eu te acompanhe?
Não. Odeio-te.

Vê as placas?
Vê os flocos?
É ali.
Não é ali.
Então não pise na grama.
Não pise.

Não aprendi a voar.
Não sei voar.
Não vôo.
Atire-me pela janela.
É melhor...

Tchau.
Tem certeza?
Se sentir minha falta,
Posso ir trilhar contigo.
Não tenho pés, mas...
Tchau.

Frieza

Eu jogo coisas
E sonho.
Continuo sem resposta.
Sem sinal.

Toco sua mão,
Suplicando.
Tento alcançar seu semblante
Imutável.
Então conto um sorriso.
Nada.

Apatia.
Que insensível.
Dor.
Que sensível.

Enfim.
Eu separo e abro
Potes de veneno,
Esperando uma cura.
Uma reação.
Você.

Um dia alguém ganha.
E entraremos em sincronia mútua,
Esperando que as estrelas fechem
Os olhos
E calem a boca.
Um dia, a noite lasciva...

A corrida das dobraduras de papel

A corrida
A dança
O movimento
Do barquinho
... De papel
Ele luta contra a água
A água que causa naufrágio
O naufrágio dos sonhos
O melhor
Causa-o numa velocidade atroz
O naufrágio
Ele também, a dobradura de papel
Luta contra o fogo
Aquele fogo
O fogo estratégico
A estratégia inimiga
Aqueles inimigos
Bombas
As bombas inimigas
Mas no fim, é
A corrida
A dança
O movimento
Do barquinho
Que importa
Isso importa

29.11.09

O sorriso da Dor

Finjamos assim:
Sou um claustrofóbico
E você... e você é
Um construtor de paralelepípedos ocos.

Se eu sofrer por isto
Você me abre ao menos uma fresta?
Se eu fugir das paredes
E dormir sob a chuva
Você me acompanha?

Todavia, se eu sentir dor
A culpa é minha?
Nunca notei o quão sádico
E dissimulado você era e é.
Ainda assim gosto do seu sorriso maroto.

Sente? São lástimas?
Não, ainda não.
É meu choro de Amor
E seu sorriso de Dor.
Conexão instável e infindável.

25.11.09

Candura

As ovelhas cândidas duram assim quando estão sob o sol.
Elas, funestas nos sonhos noturnos,
Ceifam almas, manchando-se no mel rubro
E doce.

Quando estão fora de si, brancas,
Sentem saudades dos sonhos,
Das cabeças decapitadas,
Dos berros chorosos e esmigalhados.

Narcisistas formosos
Em trajes sórdidos,
Apreciam os hematomas
Antes não do sangue,
sangue carmesim.

Mas sempre voltam a refletir todas as cores,
Deixam de absorver o vermelho
Que sujava a lã.
E o branco volta.
O branco da lã.

18.11.09

# 02 - A infame estreia do assassino letrado

(Desculpem-me... não consegui enxugar o texto. Está um pouco encharcado ainda.)

***

Rodney Smith admirava a fachada do bar que costumeiramente frequenta. Uma fachada um tanto feia – talvez por isso não tenha patrocínios. Pela quinta vez, desde que saíra do seu escritório, pensou que não devia ter atendido ao chamado de seu informante. Devia estar se concentrando no caso de Margot. Ou não devia estar fazendo nada, o que parecia ser uma alternativa válida.

Enfim, suspirou e entrou no bar estreito, com um balcão na transversal que se extendia por cerca de metade do tamanho total da área comum. Marlene, a garçonete/proprietária, secava um caneco de chopp. Ela tinha um ligeiro problema em acreditar que eles nunca estavam secos o suficiente, o que incomodava os ébrios que sentavam nos banquinhos altos, ancorados ao longo do balcão com tampo de mármore falso. “Pra quê secar tanto se vamos beber mais chopp aí?”, diziam eles. Ela respondia com palavras chulas. Eles se calavam e lembravam que Marlene se esquecia de cobrar pelas bebidas na maioria das vezes, então a demora era compensada financeiramente.

Smith sentou-se ao lado de um palhaço. O único lugar disponível era ao lado desse pobre palhaço. Ele simplesmente não suportava o maldito palhaço e seus cabelos ciano, nariz vermelho e cara pintada de branco. Mas o pior de tudo certamente era o sorriso amarelo - em todos os sentidos - emoldurado pela pintura labial vermelha (“É para combinar com o nariz...”, o palhaço dizia anasaladamente. Sempre).

“Alô, Rudinei”

“É Rodney”

“Certo, Rudi... ou tu... ou tu prefere que eu te chame de Smiti?”

“...”

Rodney Smith levantou-se e pegou o palhaço pelo colarinho; o ergueu e o jogou contra a parede oposta. O palhaço, enraivecido, pegou um taco de snook (sem giz na ponta) e investiu contra o detetive; este aparou o taco com o braço esquerdo e desferiu um cruzado de direita certeiro no nariz vermelho de seu oponente, que desabou no chão, desnorteado. Ao ver o sangue escorrer sobre a maquiagem branca do palhaço, disse:

“O vermelho do sangue combina com o nariz, também”

Bem, é claro que essa briga de bar com frase feita malfeita não aconteceu. Mas teria sido muito relaxante, pensou Smith. O palhaço, enquanto isso, apenas pensava que devia largar o escritório e viajar para uma praia bem quente. Viver da venda de cocos. Mas não era capaz de comprar seu sonho.

Aliás, por que maldito motivo ele tinha esse maldito nome, Rodney Smith? Morando em um país lusófono, isso era realmente insuportável. Se fosse só o nome, como Rodney Silva, poderia ser chamado só pelo sobrenome... Detetive Silva. Se tivesse conhecido seus pais, pelo menos, poderia perguntar aos cretinos. Sim, ele realmente não gostava do nome, por isso já instruia quem ele conseguia convencer a chamá-lo de Ney.

Marlene, a garçonete/proprietária/secadora de copos com péssima memória recente, olhou para Rodney e fez um aceno de cabeça – ou de nariz, já que este era a parte proeminente de sua cabeça –, indicando o fundo do bar, onde haviam duas mesas de snook. O Informante já devia estar lá. O único motivo para Smith ir neste bar decrépito era o fato de que seu principal informante só aceitava se encontrar com ele aqui.

Era ele mesmo: um homem sob a luz fraca de uma luminária que pendia do teto, característica de mesas de snook. O Informante vestia um terno cáqui e tinha em sua cabeça um saco de papel pardo, com dois furos para os olhos. Essa era a máscara que assegurava o segredo de sua identidade. Os outros clientes do bar já haviam se acostumado, nem estranhavam mais. Agora o estranho da vez era aquele sujeito que contava piadas de ervilhas. Péssimas piadas, diga-se de passagem.

“Sr. R. S., que prazer em vê-lo mais uma vez”, disse o Informante.

R. S. conseguia ser pior do que Rodney Smith.

“Ah, e bela gravata!”, completou enquanto Ney notava que as gravatas dos dois eram verde-musgamente iguais.

“Olá, Sr. S. I.”, respondeu Smith com o máximo de ânimo que pôde expressar, ou seja, quase nenhum ânimo.

O Informante começou a mirar na bola verde menor, enquanto Smith escolhia um taco. Qualquer um mesmo, não gostava de jogar esse jogo. Não gostava desse lugar e muito menos de piadas de ervilhas (“O que a ervilha neta falou para a ervilha avó? Ela disse: Não ligo a mínima para sua artrite, sua ervelha!”).

(Durante esta conversa, os caros leitores podem adicionar, em sua própria imaginação, o som do jogo de snook. Vocês sabem; barulho de taco, bola, caçapa, etc. Podem adicionar alguma música ambiente também, de preferência algo instrumental, para que a letra não interfira nas falas do diálogo. Ou cantado em russo, desde que, obviamente, o leitor não entenda russo)

“Tenho uma pista quente para você desta vez, Sr. R. S”, disse enquanto errava a bola verde e encaçapava a marrom e a amarela, em sequência. “Nesta vez não será como aquela do mercado de órgãos...”

Smith lançou um olhar faiscante em direção ao homem com cara de papel kraft. Quase tão faiscante a ponto de quase incendiar a máscara do informante e disse, entre os dentes:

“Mercado de pianos, você quis dizer...”

“Não me olhe desse jeito, aquele anúncio era suspeito! Como eu ia saber? “Após um breve momento de silêncio, o Sr. S. I. retomou o assunto: “Ok, Sr. R. S., lhe darei a informação que eu havia prometido. Teremos um caso de assassino serial.”

“Teremos?”

“Sim. Tenho certeza que o assassino irá matar novamente. Eu vi o corpo da vítima no necrotério.”

“O que você fazia no necrotério?”

“Eu jogo cartas no necrotério, com o Branco... você lembra do Branco né?”

“Sim, prossiga, por favor, quem é a vítima?”.

“Uma mulher, 23 anos de idade. Veio do Vale dos Sinos para visitar familiares. No entanto, foi assassinada brutalmente”

“A que tipo de brutalidade você se refere?”

“Aparentemente... ela foi espancada até a morte, com muitos golpes de livro”

“Estás me dizendo que mataram ela a livradas?”

“Bem, não encontraram o livro, mas creio que seja um dicionário, dos grandes. Com setenta mil verbetes, no mínimo”.

“E por que diabos tu acha que isso se trata de um assassino serial?

“O assassino fez uma marca na testa dela, com algum tipo de instrumento cortante.”

O Informante pegou um giz que estava pousado sobre a caçapa de uma das quinas da mesa e desenhou um rudimento de "v", que mais parecia um 'check'.

“Intrigante, mas isso tem cara de história que irá me dar prejuízo. Estou quebrado, acho que irei apostar no caso da Margot...”

“A francesa dona da fábrica de sabão... e qual é o caso dela?”

“O poodle dela sumiu, junto com a coleira de ouro.”

“Poodles e joias... não acredito que você irá preferir pegar um caso tão comum com a possibilidade de abraçar um caso de serial killer! Qual foi a última vez que o senhor viu um caso desses aqui na área?”

“A polícia que cuide disso, sou um mero civil que procura poodles para mulheres ricas. Além disso, quem garante que não foi apenas um crime passional? Claramente o livro foi uma arma improvisada.”

“E a marca? Tens alguma ideia?”

“Não. Mas eu precisaria ver isso com os meus próprios olhos. Pode ser a inicial do criminoso, ou talvez algo que faça sentido para ambos, assassino e assassinada.”

“Interessante. Creio que se o senhor assassinasse alguém, seria um ato passional, no calor de um momento de ira, contida há muito tempo”

“Como assim? O que te faz pensar isso?”

“As pessoas costumam olhar para os outros da mesma forma que olham para si mesmo. E para escrever também, pois se, por exemplo, estivéssemos vivendo uma história fictícia, o autor provavelmente seria um tipo similar de assassino, já que ele seria inexperiente com histórias de investigação e apenas conseguiria imaginar modos e motivos para matar nos quais ele conseguiria se imaginar, supondo esta hipótese.”

“Ok, pode me prender como futuro serial killer. E é muito simples imaginar um assassino armado com um dicionário, não sei como isso nunca me ocorreu antes. Prenda o autor também mas, caso o ele seja preso, teremos um grave problema de continuidade. A menos que ele continue a escrever na prisão.”

O Sr. S. I. fingiu ignorar o sarcasmo de Smith.

“Bem mas, se mudares de ideia, passe no necrotério, jogue umas partidas de pife comigo e com o Branco e aproveite para olhar o corpo da vítima.”

“Estranho você me convidar para algum lugar que não este bar decadente.”

“Precisamos pegar este caso... aqui, fique com o meu cartão. Com ele, o porteiro irá te deixar passar no necrotério.”

Rodney Smith recebeu o seguinte cartão:



“Que cartão mais estranho... isso... ahn, deixa pra lá. Amanhã eu passarei lá, com uma condição.”

“Qual, Sr. R. S.?”

“De agora em diante, me chame por Ney.”, disse o detetive enquanto virava as costas e se preparava para ir embora.

“Certo, Sr. Ney. Ah, e outra coisa... sei que não é da minha conta mas... ontem eu vi a sua secretária conversando com um brutamontes, em um beco. Achei um tanto suspeito.”

“Deposito total confiança em Dolores. Ela é muito responsável e vem trabalhando comigo há algum tempo. Se ela fosse suspeita, eu já teria notado.”

“Certo, me desculpe pelo comentário... espero você amanhã.”

5.11.09

Um pouco de poesia pra esse lugar...

Ontem, dia 04 de novembro de 2009, completei 1 ano de namoro.
Além do presentinho barato e tals, resolvi compor algo pra ela (coisa que tinha tempo que eu não fazia). Não é boa, só fala de pontos comuns, mas quem liga? Era pra ela e ela gostou. ^_^
Aí vai:

Após 1 ano

Se o Sol não raiar a cada manhã,
acenderemos as luzes.
Se as nascentes não jorrarem mais água,
Riremos o sal do mar.
Se o mundo acabar, no paraíso viveremos.
Mas se você não me amar,
Estarei condenado ao inferno seco e escuro
que é estar sem seu amor.

Não sei como eu vivia antes de você.
Sei que vivia pra te conhecer,
apesar de que sem você
eu não sabia o que é realmente viver.

O ano se passou
e cada vez mais meu coração se apaixonou.
Outros anos se passarão
E frutos desse amor surgirão.

E se afirmo isso com certeza,
é porque certeza eu tenho
que és o amor da minha vida
e que seu amor por mim não finda

Não antes do juízo final
e que o último a sair apague a luz.
Aí ficaremos juntinhos,
abraçados no eterno escurinho.


.


Jordan (O Visitante)

21.10.09

O Órfão

Tudo começa numa pequena cidade, no sul do Brasil, chamada Vila Azul. Uma cidade pacata, tipicamente de interior. Como toda cidade, seus principais prédios incluiam a igreja, a prefeitura, um bonito hotel, e também um imponente, porém obscuro, orfanato.

Dirigio pelo rígido seu Rodolfo, a casa sempre foi mal vista pelas boas famílias, que a consideravam um berço para vândalos, delinquêntes e marginais. Era um casarão antigo, deteriorado pelo tempo, de paredes escuras e pesadas janelas de madeira. Sua faxada ia direto até a calçada, onde a porta se ligava a rua através de uma soleira. Atrás do casarão havia um jardim, ainda que mal cuidado, onde os meninos moradores brincavam.

Além do crue Rodolfo, que dirigia a casa com frieza, havia, porém, dois bondosos empregados, seu Chico e dona Clementina. Casados, sempre trabalharam para Rodolfo, porém nunca tiveram filhos. Por isso se dedicavam tanto aos órfãos, mesmo já beirando a terceira idade.

A maioria dos garotos que ali chegavam, ou eram abandonados por suas famílias ou eram sobreviventes de acidentes que matavam seus pais. Houve, entretanto, uma vez que aconteceu de um jeito diferente.

Era uma tarde de domingo. Clementina aproveitava para varrer a calçada do orfanato, quando ouviu um choro, que parecia ser de um bebê. Lembrando que já não havia um bebê na casa há muito tempo, começou a procurar a tal criança. E parecia que precisava encontrá-la logo, pois o bebê não parava de chorar.

Olhou na calçada, dentro da casa e na cozinha. Quando já pensava em desistir, percebeu que o som vinha dos fundos, no jardim. A velha empregada correu até lá, vasculhando por entre as flores, os arbustos e o mato que crescia alto.

De repente encontrou um cesto. Um cesto de palha, muito bem trabalhado, cheio de adornos. Não parecia ser um cesto comum, e muito menos de uma família pobre. Dentro dele, havia uma criança, vestida em trajes nobres, chorando o mais alto que podia.

Mas Clementina não ligou para o cesto nem para as roupas nobres. Estava mais preocupada em acalmar a criança. Levou para a cozinha, procurou logo leite e mamadeira, e o bebê tomou tudo, de tão faminto que estava.

Era um menino. Clementina se preocupou tanto com ele, que não poderia deixá-lo ir embora. Como não havia nome no cesto ou na roupa, Clementina resolveu chamar o pequeno de Phill, que quer dizer " gostar" em grego. Assim, estava selado o destino do pequeno órfão. Havia encontrado um lar. Mas de onde será que ele veio?

p.s.: Essa história realmente não tem um final...

18.10.09

# 01 - Apenas mais um prólogo típico...



Sentado em sua cadeira, o Detetive Rodney Smith investigava. Averiguava algo que provavelmente era uma pista. Uma fatura telefônica. Seu rosto estava cansado, os cabelos, que já exibiam alguns fios prateados, e a barba por fazer lhe pesavam visualmente uns dez anos de idade a mais. A mesa, que devia ter sido muito bela há umas duas décadas, estava repleta de papéis, pastas e algumas fotos. No entanto, ele ainda analisava a fatura telefônica. Finalmente, chamou a sua secretária:

“Dolores!”

Prontamente, Dolores irrompeu à porta após alguns instantes, anunciada por um breve rangido desta:

“Sim, Seu Ney.” – disse, ostentando um sorriso metálico vacilante.

Dolores aparentava ter 17 anos de idade e parecia um esquilo.

“De quem é esse telefone aqui... 51 3023-XXXX ?”

“Ahn... desculpa, Seu Ney... eu tive de ligar, foi uma emergência. É o telefone do meu avô.”

“Estranho, pois eu liguei agora há pouco, e poderia jurar que era de uma loja de artigos de caça e pesca.”

“Bem...ahn... ah... ele teve um ataque cardíaco... então o médico recomendou um hobby, algo relaxante... pesca. Então... então eu decidi comprar algo para estimulá-lo no novo hobby, então. Desculpe por eu ter ligado...”

“Ah, sim... não, sem problemas... é ligação local mesmo. Só achei incomum.” Dolores abriu outro sorriso metálico, aliviada. Ela realmente parece um esquilo. “E o que você comprou para ele?”

Os olhos de Dolores brilharam.

“Uma faca de sobrevivência tamanho grande com uma afiadíssima lâmina em aço anodizado, parte superior com serra dentilhada e cabo anti-deslizante com protetor de mão vazado. E ainda tem uma tampa com cordão e bússola, parte interna do cabo oca com linha de costura, agulha, fósforos e riscador de fósforo e...”

“...”

“...”

Oportunamente, a campainha começara a tocar na recepção. Ela foi atender, explicando a saída com um gesto com a cabeça e mãos.

Houve um momento desconcertante entre Smith e a seus próprios pensamentos. Momento este quebrado pelo barulho absurdamente alto e arcaico do telefone em sua mesa. Sempre se assustava com aquela porcaria de telefone.

“Seu Ney, a Sra. Margot deseja falar com o senhor...” chiou a voz de sua recepcionista.

“Por favor, traga ela até a minha sala.”

O Detetive Smith ajeitou o cabelo com a mão direita e afrouchou levemente a gravata verde-musgo. “Droga”, pensou ao notar a gravata verde-musgo. Era uma gravata particularmente feia em relação as demais que possuia, isso sem deixar de considerar que as outras não eram lá grande coisa também. Estava ficando antiquado.

Com o rangido saxofonístico da porta anunciando sua entrada, Margot deslizou para dentro do aposento, encarando os olhos de Smith; estes encontraram apenas a impessoalidade dos óculos escuros absurdamente grandes dela e a agressão visual dos lábios vermelhos que se destacavam em seu rosto pálido. Após um instante, ela abriu um sorriso grave com a boca fechada e sentou-se em frente a Smith:

“Ney, eu preciso dos teus serviços”. Sua voz tinha aquele tipo de pastosidade rouca que provavelmente indicaria algum problema extremamente estarrecedor. Talvez um sumiço de poodles ou roubo de jóias, coisas típicas. “Afinal, o mundo em que vivemos é muito típico”, pensou o detetive Rodney Smith.