21.10.09

O Órfão

Tudo começa numa pequena cidade, no sul do Brasil, chamada Vila Azul. Uma cidade pacata, tipicamente de interior. Como toda cidade, seus principais prédios incluiam a igreja, a prefeitura, um bonito hotel, e também um imponente, porém obscuro, orfanato.

Dirigio pelo rígido seu Rodolfo, a casa sempre foi mal vista pelas boas famílias, que a consideravam um berço para vândalos, delinquêntes e marginais. Era um casarão antigo, deteriorado pelo tempo, de paredes escuras e pesadas janelas de madeira. Sua faxada ia direto até a calçada, onde a porta se ligava a rua através de uma soleira. Atrás do casarão havia um jardim, ainda que mal cuidado, onde os meninos moradores brincavam.

Além do crue Rodolfo, que dirigia a casa com frieza, havia, porém, dois bondosos empregados, seu Chico e dona Clementina. Casados, sempre trabalharam para Rodolfo, porém nunca tiveram filhos. Por isso se dedicavam tanto aos órfãos, mesmo já beirando a terceira idade.

A maioria dos garotos que ali chegavam, ou eram abandonados por suas famílias ou eram sobreviventes de acidentes que matavam seus pais. Houve, entretanto, uma vez que aconteceu de um jeito diferente.

Era uma tarde de domingo. Clementina aproveitava para varrer a calçada do orfanato, quando ouviu um choro, que parecia ser de um bebê. Lembrando que já não havia um bebê na casa há muito tempo, começou a procurar a tal criança. E parecia que precisava encontrá-la logo, pois o bebê não parava de chorar.

Olhou na calçada, dentro da casa e na cozinha. Quando já pensava em desistir, percebeu que o som vinha dos fundos, no jardim. A velha empregada correu até lá, vasculhando por entre as flores, os arbustos e o mato que crescia alto.

De repente encontrou um cesto. Um cesto de palha, muito bem trabalhado, cheio de adornos. Não parecia ser um cesto comum, e muito menos de uma família pobre. Dentro dele, havia uma criança, vestida em trajes nobres, chorando o mais alto que podia.

Mas Clementina não ligou para o cesto nem para as roupas nobres. Estava mais preocupada em acalmar a criança. Levou para a cozinha, procurou logo leite e mamadeira, e o bebê tomou tudo, de tão faminto que estava.

Era um menino. Clementina se preocupou tanto com ele, que não poderia deixá-lo ir embora. Como não havia nome no cesto ou na roupa, Clementina resolveu chamar o pequeno de Phill, que quer dizer " gostar" em grego. Assim, estava selado o destino do pequeno órfão. Havia encontrado um lar. Mas de onde será que ele veio?

p.s.: Essa história realmente não tem um final...

18.10.09

# 01 - Apenas mais um prólogo típico...



Sentado em sua cadeira, o Detetive Rodney Smith investigava. Averiguava algo que provavelmente era uma pista. Uma fatura telefônica. Seu rosto estava cansado, os cabelos, que já exibiam alguns fios prateados, e a barba por fazer lhe pesavam visualmente uns dez anos de idade a mais. A mesa, que devia ter sido muito bela há umas duas décadas, estava repleta de papéis, pastas e algumas fotos. No entanto, ele ainda analisava a fatura telefônica. Finalmente, chamou a sua secretária:

“Dolores!”

Prontamente, Dolores irrompeu à porta após alguns instantes, anunciada por um breve rangido desta:

“Sim, Seu Ney.” – disse, ostentando um sorriso metálico vacilante.

Dolores aparentava ter 17 anos de idade e parecia um esquilo.

“De quem é esse telefone aqui... 51 3023-XXXX ?”

“Ahn... desculpa, Seu Ney... eu tive de ligar, foi uma emergência. É o telefone do meu avô.”

“Estranho, pois eu liguei agora há pouco, e poderia jurar que era de uma loja de artigos de caça e pesca.”

“Bem...ahn... ah... ele teve um ataque cardíaco... então o médico recomendou um hobby, algo relaxante... pesca. Então... então eu decidi comprar algo para estimulá-lo no novo hobby, então. Desculpe por eu ter ligado...”

“Ah, sim... não, sem problemas... é ligação local mesmo. Só achei incomum.” Dolores abriu outro sorriso metálico, aliviada. Ela realmente parece um esquilo. “E o que você comprou para ele?”

Os olhos de Dolores brilharam.

“Uma faca de sobrevivência tamanho grande com uma afiadíssima lâmina em aço anodizado, parte superior com serra dentilhada e cabo anti-deslizante com protetor de mão vazado. E ainda tem uma tampa com cordão e bússola, parte interna do cabo oca com linha de costura, agulha, fósforos e riscador de fósforo e...”

“...”

“...”

Oportunamente, a campainha começara a tocar na recepção. Ela foi atender, explicando a saída com um gesto com a cabeça e mãos.

Houve um momento desconcertante entre Smith e a seus próprios pensamentos. Momento este quebrado pelo barulho absurdamente alto e arcaico do telefone em sua mesa. Sempre se assustava com aquela porcaria de telefone.

“Seu Ney, a Sra. Margot deseja falar com o senhor...” chiou a voz de sua recepcionista.

“Por favor, traga ela até a minha sala.”

O Detetive Smith ajeitou o cabelo com a mão direita e afrouchou levemente a gravata verde-musgo. “Droga”, pensou ao notar a gravata verde-musgo. Era uma gravata particularmente feia em relação as demais que possuia, isso sem deixar de considerar que as outras não eram lá grande coisa também. Estava ficando antiquado.

Com o rangido saxofonístico da porta anunciando sua entrada, Margot deslizou para dentro do aposento, encarando os olhos de Smith; estes encontraram apenas a impessoalidade dos óculos escuros absurdamente grandes dela e a agressão visual dos lábios vermelhos que se destacavam em seu rosto pálido. Após um instante, ela abriu um sorriso grave com a boca fechada e sentou-se em frente a Smith:

“Ney, eu preciso dos teus serviços”. Sua voz tinha aquele tipo de pastosidade rouca que provavelmente indicaria algum problema extremamente estarrecedor. Talvez um sumiço de poodles ou roubo de jóias, coisas típicas. “Afinal, o mundo em que vivemos é muito típico”, pensou o detetive Rodney Smith.