24.7.10

Entre a Cruz e a Estrela

Me encontro onde os mortos repousam, onde vejo pessoas sofridas molharem as lápides com as lágrimas de suas saudades. Frias, imponentes e gélidas, as lápides estão fincadas no terreno, surgindo da terra como galhos secos sinalizando que sua vida terrena se esvaiu.
Foi quando uma criança, segurando uma rosa amarela resém arrancada, senta e olha para lápide de sua mãe como quem olha para um passado infinito.
Eu observava de longe, lembrando da foto fixada na lápide, de uma mulher maltratada, velha e cansada da vida. Vejo a mesma mulher jovem, feliz, uma mulher que encontrou no espelho da morte seu rosto perdido em vida.
Choro. Em seguida enxugo as lágrimas rapidamente, tempo suficiente para que mãe e filha desapareçam. Só a lápide estava lá, como um Guarda Roupa Alemão me chamando, parecendo guardar um segredo. Quando fico cara a cara com a pedra esculpida percebo, como dois personagens de uma história, uma cruz e uma estrela datando datas trocadas ao meu ponto de vista.
A cruz, deveria representar o nascimento daquela mãe, sofrida e acabada como tantos crucificados. E a estrela com suas cinco pontas irradiadoras de luz, representaria sua morte, momento de eterno alívio e repouso.
Até hoje não sei se a cena que vi foi real ou não, só sei que vejo, a cada chuva, as gotas darem vida à rosa amarela enraizada ao lado da lápide de uma mulher que conquistou a felicidade.

19.7.10

HOFFMAN Pt. 01

Por Ykaro Venâncio





Os pensamentos de Thaj estavam confusos, olhava para a janela, sentia-se preso, ligou para Sther, pressionado, desmotivado, incontrolado, não sabia o que falar. Ela não atende sua ligação, gerando dentro de si pensamentos agonizantes, depressivos, assustadores, enfim, pegou algumas roupas, alimentos, e uma manta, talvez ainda tivesse um pouco de dinheiro na carteira. Desceu rápido, muito rápido pelas escadas, não quis esperar pelo elevador, uma breve despedida ao porteiro, e pronto, já estava fora do castelo de aço, procurando algumas moedas pagou por uma ligação, não disse o motivo e nem para onde ia, apenas que era preciso, assim ela estaria em segurança. Desligou o telefone, correu por duas quadras, rápido, meio minuto, desapareceu...

Era manhã, sapatos e ternos deslizavam entre os corredores, olhares maliciosos se entrelaçavam, e os telefones não paravam de tocar. Sther, pontualmente, passa pela sala da diretoria, o olhar de Ulisses estava à espera, e mais um dia ele presencia aquele cena desnecessária, tola: o Dr. Hoffman flertando com a recém contratada para a área contábil da empresa. Os olhos de Ulisses entristecem, logo algo o chama para a realidade: - Atenda ao telefone Ulisses! Cristo!
- Ah... Claro senhor Hoffman, me desculpe.
Ulisses era responsável pela área de vendas internas e externas da empresa para clientes multinacionais, conheceu Hoffman em uma feira de vendas onde administradores e estudantes da área se encontram para debaterem idéias e propostas, e em um destes dias Hoffman conheceu Ulisses , recém graduado, bilíngüe e muito astuto, desde então o jovem vêm auxiliando o empresário, o que Hoffman já havia percebido era que sempre que Sther sorria para ele, Ulisses demonstrava certa irritação e um notório ciúme. O que Hoffman não sabia era que, Ulisses, era a paixão de Sther.
- Do que se tratava o telefonema? – pergunta Hoffman
- Uma confirmação de relatório de pesquisa senhor, para o fechamento deste semestre.- responde Ulisses apreensivo.
- Me faz um favor?
-Claro doutor, o que o senhor deseja?
- Vá até Margareth, e diga a ela que eu solicito a presença dela, por favor, aproveite e pegue uma pasta amarela em cima de minha mesa e leve-a para Sther, diga a ela que é sobre os registros atuais da B.I.F.H., ela deve começar esta semana neste setor conosco, então preciso que ela se atualize com as informações mais recentes, o resto ela se adapta com o tempo, ah, já ia me esquecendo, diga a Sther para ligar em meu ramal, por gentileza...
Ulisses pegou a pasta na sala de Hoffman, estava leve, ele não quis imaginar do que se tratava. Saiu, falou com Margareth, enquanto Hoffman o observava de longe de sua sala, observou o momento em que Ulisses se aproximou de Sther, (que ocasionalmente se encontrara no corredor) seu corpo parecia tremer, gesticulava de forma bastante ligeira, parecia querer dizer algo a mais, mas Sther apenas recebeu a pasta e sorriu, enquanto voltava ao trabalho que exercia, enquanto Ulisses logo se dissipou.
- Dr. Hoffman! – Margareth pela terceira vez.
- Ah, sim, nossa, você veio rápido...
Inventou qualquer desculpa e logo se desfez da secretária, o que o intrigava já havia sido esclarecido, mas Ulisses não era uma ameaça, ou era? Era seu amigo, mas agora não pensava nisso, observou as garrafas de uísque, os charutos, o copo vazio, e pensava os carros na avenida, e pensava, como pequenas formigas, e pensava, apanhou um livro, sobre economia, práticas rotineiras administrativas, não sabia, não estava lendo. Apenas pensava, pensava, pensav...

O barulho do chuveiro acalmava, o cenário era o de sempre: bolsa sobre o braço do sofá que sua mãe lhe deu, chaves penduradas, às vezes jogadas, como os sapatos que circulavam pelos cômodos do apartamento, que parecia mais uma sauna durante este mesmo horário de todos os dias da semana, a empresa não abria suas portas nos finais de semana, e neste caso era sexta-feira, e como de costume Sther se preparava para jantar com algumas amigas, reencontrá-las para a velha reunião de sempre.
Nove da noite, Sther se apresenta no Opacus Pub, lá encontrou Sâmara, Veronika, e uma outra conhecida, de quem não se lembrara o nome, mas já havia visto em uma loja de roupas quando estava acompanhada do ex-namorado. Se sentaram, e logo, todas elas já estavam rindo das noticias peculiares da semana de cada uma.
Enquanto isso, em outro lado da cidade, em um subúrbio não muito freqüentado, mais conhecido como, O Lado dos Homens, vagava Thaj, não obtivera sucesso em suas últimas ligações, mas de súbito, pensou em ligar novamente. Discava rápido, o tempo parecia frenético, se encontrava em uma espécie de viela, tudo escuro, não completamente, estava na penumbra, os dedos trêmulos terminavam de discar os últimos números...

Um aparelho celular toca...
Chamada não identificada...
Os olhos se enfurecem, mas ela decide atender...

-Alô!- em um tom um pouco alto, devido às vozes e à musica ambiente.
- E...sou eu Th...
-Eu já sei quem é, o que você quer comigo?!- em tom agora enfurecido
- Olha, eu queria me explicar, não quis sair daquele jeito, mas provavelmente o sindico deve ter comentado como sai às pressas... – interronpido!
- Claro que sim Thaj, ou você acha que ninguém percebeu que você derrubou um vazo na recepção?! Cristo! Você poderia ter me ligado, quer dizer, você não atende minhas ligações, o que ta acontecendo? Desde aquela nossa conversa que você vêm agindo de maneira estranha, eu estou confusa e cansada disso, e você... Sempre com seus segredos, ah, sinceramente eu queria entender...
- Olha me perdoe meu amor, eu quero lhe contar tudo, mas quando você estiv...
-Preparada!- explosão! Raiva!
-Não me ligue mais Thaj! Desapareça!!!- desligou, trêmula.
As amigas a observavam, com um certo ar de quem via a um estranho espetáculo, o bar também se deu ao trabalho, aumentando ainda mais o constrangimento de Sther. Pegou sua bolsa, as lágrimas começavam a cair pelos olhos, sai correndo do bar.
Thaj, olhando por uns minutos para o celular, ainda não entendia o que queria dizer, pegou a carta que recebera há algumas semanas no bolso esquerdo da jaqueta, onde sempre guardava os cigarros, que talvez já nem fumasse mais. Sentou-se em uma por de um apartamento abandonado, a viela, não muito perigosa, apresentava alguns ratos, cachorros, e dois ou três mendigos espalhados pela sólida e gélida calçada, refletindo os mistérios da vida, que os levaram a estar ali hoje, naquela viela sem vida e sem amigos.

-Hoffman!
- Oi, eh... desculpa, mas, droga! –desligou o telefone.
O telefone volta a tocar.
-É alguma gracinha, porque se for eu já to....
-Sou eu, Sther.
- Oh, porque não disse antes minha cara, tudo bem? Boa noite.
-Sim esta, bem, na verdade, não muito, estava no Opacus com umas amigas, e, sei la, queria conversar um pouco, estou atrapalhando?
- Não, sem duvida nenhuma, onde você esta, agora exatamente? – pergunta Hoffman, com certa empolgação.
- Bem, agora estou aqui, do lado de fora, minhas amigas estão lá dentro, e sei lá, queria conversar...
-Olha não saia daí, em um minuto eu chego! – saiu mais do que apressado, afinal, era sua chance, o diretor administrativo não poderia perder isso.

(CONTINUA)

9.7.10

A Nova Aprendiz Parte 01

Por Ykaro Venâncio


Era como se ele sentisse que a chuva era uma parte de si, sentado, ambiente sólido, vazio, a neblina cobria o céu em um tom acinzentado, seus olhos procuravam por mãos inexistentes, estava perto de uma árvore, e o medo da inocência ou incoerência fazia os dentes estalarem, com breves olhares, tinha a impressão de ver vultos. Não, era apenas a brisa gélida vinda do leste, a terra molhada não tinha cheiro a não ser o da própria chuva. Olhos verdes, galhos pelo chão, corpo forte, as lembranças, sim, queimava-lhe a alma, levantou-se olhando para um horizonte nebuloso, pois não havia muito à sua frente se não poeira e chuva, desdenhando-o. Era como se a natureza lhe ignorasse a existência, castigando-o com a solidão incoerente, mas não, ainda havia o corpo dela, por entre o campo que parecia se movimentar tão forte com o vento, que acabava adquirindo aspecto de vida, era como se Gaia se vingasse deste pobre desgraçado, que agora corria aos braços de sua amada, na esperança de vida. Mas ela não se movia, e um corpo vivo é bem diferente de um corpo morto, ele teria presenciado os dois na guerra pra saber disso.
Amargurado, não tinha força sequer para gritar a morte daquela que preenchia o vazio de seus dias, levado pelo vento, que agora se apresentava mais gélido, arriscava-se por entre alguns arbustos, que lhe atrapalhavam a visão sobre forte efeito da ventania, como um sobrevivente tentava se lembrar de como foi parar ali, a forte dor em sua cabeça, tudo continuava em neblinas, inclusive teus pensamentos, que agora se fixavam em lembranças, lembranças de Scarleth, o chão, cada vez mais cheio de pedras, parecia mudar a pintura do cenário que agora se revelava um caminho estreito entre arbustos muito verdes, folhas vívidas aos olhos daquele pobre homem, ouvia-se vozes em sua mente, enquanto ia cambaleando por entre as folhas, mas, com muita dificuldade, enxergava ao fim da trilha uma sombra, talvez vestisse uma capa por cima do corpo, não sabia se era um homem, não sabia se era um fantasma de seu passado, ou algum tipo de alucinação. O vento soprava forte em teus ouvidos, e se fundia à voz de Scarleth, o caminho parecia não se findar, e estava caindo, caindo. A chuva, impiedosa e frenética se fez voraz, a natureza não estava calma, via ali um corpo caído em meio tuas árvores, porque estava vivo? Ninguém saberia responder, se o vilarejo havia sido destruído, e por mais que aquele pobre homem se esforçasse, não conseguia lembrar o porquê e quando ocorrera o fato, mas sabia que o que ocorrera era recente, o corpo de Scarleth acusava o fato, ainda pôde sentir o ultimo calor vindo de seus seios, os últimos fluxos de seu sangue entre o corpo...