26.12.09

# 04 - Obituário

“Empresária do ramo de produtos higiênicos, Margot Dubois morreu no dia 5 de Janeiro, aos 38 anos, no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, vítima de intoxicação.

Nascida em Uruguaiana, mudou-se ainda criança para Porto Alegre, onde seu pai estabeleceu a Fábrica de Sabões Dubois. Após a perda do pai, conduziu os negócios brilhantemente até falecer.

Foi casada por mais de 15 anos com Sinval Ibanez, com quem teve dois filhos. Gostava de ler, dançar e jogar cartas.”

Era isso o que dizia a página de obituários, que estava com a face virada para cima sobre a mesa de Rodney Smith. “Maldição”, pensou Smith. Agora não seria reembolsado dos gastos do caso do cachorro perdido. Aliás, ainda teria um gasto maior, ponderou ao ver o poodle em sua sala, tomando leite em um cinzeiro fazendo as vezes de uma tigela. E ele não tinha joia nenhuma pendurada em seu pescoço.

Dolores não chegara esta tarde, e o Sol já deitava-se atrás dos outdoors e edifícios. Leu e releu o obituário. Não sabia que a sua cliente era casada... na realidade, divorciada, como descobriu após uma breve pesquisa e alguns telefonemas. Não parecia um assassinato, pelo menos.

O telefone da recepção tocou. Tocou, tocou e tocou. Ney não queria atender mas, talvez fosse Dolores, ele estava preocupado, pois ela sempre fora pontual. Partiu em direção ao telefone, mas ao chegar à porta, ele parou de tocar. Após alguns segundos, voltou a tocar novamente e permitiu que Smith o atendesse.

“Smith... é o Branco... Ficou sabendo da Margot?”

“Olá Branco... sim, fiquei sabendo. Intoxicada, não?”

“Sim, mas você soube da marca?”

“Marca? Não vá me dizer...”

“Sim, Smith... ela tem a mesma marca.”

“Droga...obrigado, Branco. Mais algum detalhe...”

“Não... era isso... qualquer coisa eu te informo.”

“Obrigado... agora eu preciso pensar. Até mais.”

“Até.”

Smith sentia que não podia seguir ignorando estes crimes, sentia um senso de dever que despertava memórias dolorosas em sua mente. Os velhos tempos do então Inspetor Smith. Deveria ligar para alguém, devia haver alguém na corporação que não virara as costas para ele assim como estão virando as costas para estes assassinatos com este estranho traço em comum. Nada foi divulgado na mídia...

Nada divulgado na mídia, nem mesmo no caso de Margot, que poderia ter um pouco mais de visibilidade. Nenhuma menção às marcas...

O raciocínio de Smith foi interrompido por um barulho na porta, um tilintar de chaves que teimavam em não entrar na fechadura. Dolores?

Ney levantou-se de pronto e foi para a recepção, ver se realmente era a sua recepcionista que chegava. Era ela, embora seu sorriso não a acompanhasse. Seus olhos pareciam ter chorado muito, talvez durante o Domingo e esta Segunda inteira, até poucos minutos atrás. Trazia em sua mão um envelope, um tanto amassado. Olhava para baixo, e ensaiou um pedido de desculpas. Smith aproximou-se da menina, que estava prestes a desabar novamente no choro e a abraçou. Não sabia o porquê do gesto que fazia, mas a abraçou. Ela chorou por alguns minutos, em silêncio, enquanto ele a consolava, silenciosamente, apesar de não saber qual era o motivo das lágrimas. Assim que ela se acalmou, Smith a deixou sentada no sofá, e foi preparar um chá para a menina.

Após alguns minutos ela já estava mais calma. Triste, é verdade, mas calma. Eles não trocaram sequer uma palavra, mas não parecia preciso. Os dois estavam imersos em seus mundos particulares. Um latido os acordou da catatonia. Era o cachorro da falecida Margot.

“O senhor... encontrou o cachorro?”, disse Dolores em uma voz dolorida, devido às marcas que o choro deixa na garganta.

“Sim... terei de entregá-lo para o ex-marido dela, um tal de... Sinval Ibanez...”

Congelou.

Sinval Ibanez... S. I.?

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