1.5.10

Merecimento

Aquele era um homem muito escroto e feio. Todo quase fim de tarde, quando nós dividimos o dia em dois turnos e achavamos que ainda era de dia, mas na verdade faltava só umas duas horas para anoitecer e nesse horário aquele homem ia até um bar cumprimentar a clientela tradicional, não dizendo que na verdade ele queria uma cerveja de "cortesia" dos amigos e da casa. E a casa também é amiga, ora essa.
Ninguém precisava dizer - apesar de aparecer uma ou outra piada sobre - que ele ia ali só para beber sem pagar. Talvez o tamanho da barriga dele pudesse se equivaler à sua dívida, fora as calorias que ele gastava para reclamar e coçar o saco.
Se alguém perguntar para aquele homem se ele tinha sonhos, ele diria que sim. Os mesmos sonhos que reclamava quando seus filhos tinham ou quando qualquer inseto tinha, então quando contava os deles, vinha piadas. Merecidas? Talvez. Ele queria algum cabelo e um quintal para cochilar, sem muito verde, pois cortar grama não era com ele. Não sonhava muito alto, assim ignorava a existência de um jardineiro e empregados, ignorava os serviços feitos por alguém para ele. Talvez também fosse incapaz de notar que a "gentileza" dos amigos não tinha aspas, talvez até ignorasse a sua felicidade de vez em quando, mas ele não acreditava nessa felicidade também. Ela devia ser extrema e tão imaginária, de contos de fadas...
Ele era muito escroto e dependente. Só era simpático quando algo lhe era conveniente e suas piadas quando passava a conta nunca tinham graça. Era um idiota de alma e não aceitava nenhum crítica sobre ele, pois ao contrário do que pode parecer, ele se enxergava muito bem. E nem gostava de conseguir isso e ainda ser idiota. Era só bom em pedir coisas para os outros, para que eles se tornassem pessoas amadas, dedicadas, bonitas, inteligentes e lhe pagassem uma cerveja ou que pelo mesmo não desistissem disso. Talvez ele fosse assim infeliz por alguém o desejar a mesma coisa, mas acabou por não conseguir. Só talvez. Afinal, talvez fossem todos que desejassem isso.

Todo dia ele ia beber numa roda de amigos e estranhos e não precisava ser bonito, inteligente, educado, divertido, trabalhador, criativo, crente ou sei lá para gostar daqueles momentos. Ele era burro e muito feliz. E escroto.

Um comentário: