13.3.10

Os Olhos Azuis


"Sou Valdete. Faço o que você quiser", dizia seu cartão de visitas. Sentada na calçada, usando uma mini saia, com uma meia rasgada por baixo, um decote provocante e segurando uma bolsa vermelha, Valdete olhava aflitamente para o relógio. Para cada um que passava, lançava um olhar de caça e ao mesmo tempo caçadora. Esperava um cliente que ali havia marcado um horário, mas ele não aparecia.

Um carro passa, pára. A janela se abre. Valdete se levanta e vai até o veículo. Fala qualquer coisa com o cliente e embarca no lado do caroneiro. O carro parte, rumo a um prédio luxuoso, todo branco, de janelas esverdeadas e portas douradas. Valdete e seu cliente sobem até um quarto, ele tranca a porta e tudo começa. A cama é desfeita e se transforma num verdadeiro anfiteatro romano, palco de lutas, tragédias, comédias e sacrifícios.

Ao amanhecer, Valdete levanta cedo, sentindo-se atropelada por um caminhão. Ele havia lhe batido, espancado, até chicoteada foi. Mas todos os hematomas foram cobertos pela roupa. Pega seu pagamento e deixa o prédio rapidamente. Agora, com o dinheiro na mão, sabia exatamente o que fazer com ele.

Andava pelas ruas, ainda vazias, a passos apreçados. Infelizmente, os trajes que vestia eram os mesmos da noite anterior. Por isso, alguns rapazes que a viam, xingavam com as mais fétidas palavras. Mas Valdete não se abalava. Nem ao menos retardava seu caminhar.

Avistou uma loja de bijuterias, que já estava aberta, no entanto, parecia já estar fechando. Valdete correu e conseguiu entrar no estabelecimento a tempo. Foi até o balcão e pediu para ver alguns produtos. A vendedora, meio de má vontade, exibe colares, pulseiras, anéis. Mas o que mais lhe chama a atenção foi um par de brincos prateados. Valdete pergunta o preço, tira o seu pagamento da bolsa e entrega à vendedora. Dá meia volta e deixa a loja, que fecha em seguida.

Ela olha mais uma vez para o relógio, mete a caixa dos brincos na bolsa e continua andando, até chegar perto dumas casas humildes. Aproxima-se de uma, mal cuidada, abre o portão enferrujado e entra. Na sala, sentada numa cadeira de balanço, vê-se uma senhora, vestida com roupas muito antigas e desgastadas. Ela não fala, mal pisca os olhos e muito menos se mexe. Seu único movimento vem de suas mãos trêmulas.

Valdete a vê, beija-lhe a testa, acariciando seus cabelos brancos, e de dentro da bolsa, tira uma caixinha. Abrindo, revela o par de brincos prateados. A senhora mostra um sorriso muito fraco, mas sua verdadeira emoção se exibe em seus olhos intensamente azuis, banhados de lágrimas. Valdete coloca os brincos na orelha da senhora e a abraça. Era o segundo domingo do mês de maio.

Um comentário:

  1. isso foi tão lindo!
    exatamente por não ter sido contado um conto de fadas infantil antes, o contraste foi essencial

    eu gostei mesmo, dá até inveja

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